sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Simbolismo Iniciático

Fonte

A simbologia cósmica e iniciática das igrejas, especialmente as do estilo românico e gótico, vislumbra-se na sua planta, em forma de cruz; nos ornamentos significativos, como o Zodíaco; na abóbada estrelada, na proporção do edifício e até na orientação geográfica. A orientação foi um pormenor que interessou a quase todos os povos da antiguidade. O templo de Ámon-Rá estava orientado de maneira que o interior fosse iluminado pelo sol-posto do solstício de Verão. O Partenão, célebre templo de Atenas, foi orientado para as Plêiades, quando foi construído, em 506 antes de Cristo. A norma era a de orientar os templos para o astro associado à sua divindade tutelar1.

Em Roma, Marcos Vitrúvio, que viveu no século I antes de Cristo, aconselhava aos estudantes de arquitectura o estudo das disciplinas de geometria, matemática, música e astrologia2. E recomendava-lhes que reproduzissem nos templos as proporções do corpo humano. Seguia uma orientação contrária à dos egípcios e dos construtores do templo de Salomão (este-oeste)3, embora não menos clara: os fieis deviam permanecer de frente para as imagens e para o Oriente.

No Ocidente, a orientação dos templos decorre das normas das Constituições Apostólicas4, colecção de preceitos litúrgicos onde aparece, pela primeira vez, uma regra que ordena ao sacerdote para se voltar para Oriente quando consagra o pão e o vinho.

Desde então começaram a surgir igrejas orientadas com a fachada principal voltada para Oriente e a ábside, que contém o altar-mor, para Ocidente. Foi com esta orientação que se construiu a basílica de S. Pedro, em Roma. Era a mais apropriada para se cumprir aquele preceito litúrgico: o sacerdote, no altar, à entrada da ábside, celebrava de face para o povo, virado para Oriente. E, nesta posição, é que celebrava o rito da consagração.

Depois, no final do século V, introduziu-se em França uma importante alteração de que resultou uma inversão pura e simples desta regra. O bispo da cidade de Tours colocou o túmulo do seu antecessor na ábside (onde estava a cátedra). Este exemplo foi copiado em todo o lado e tornou-se uso predominante5.

Com esta modificação, o sacerdote, quando celebrava junto do altar, estava de costas para o povo, de face para Ocidente. Para que, durante o cânone da missa, ficasse voltado para Oriente, de acordo com a antiga liturgia, inverteu-se a orientação que se dava às igrejas. A fachada principal foi transferida para o lado ocidental; e a ábside (altar-mor) ficou do lado oriental. Esta regra tornou-se invariável na orientação das basílicas.

Estilo Românico

Durante a Idade Média, os elementos arquitectónicos, esculturais e outros, da basílica romana, receberam influências diversas, alguns de proveniência oriental, e acomodaram-se gradualmente aos preceitos da liturgia. Daqui resultou um estilo distinto de arquitectura, a que hoje chamamos românico, que teve origem em França.

A arte românica – como o nome indica, tem as suas raízes na arte dos Romanos – resultou da procura de um estilo verdadeiramente cristão. Evolucionou e alcançou o estado perfeito no século XII. Os laços que ligaram a Península Hispânica à França, durante os séculos da Reconquista, tornaram possível o aparecimento dum estilo românico característico. Entre nós, a arquitectura românica é pesada, com predomínio das linhas horizontais. As grandes catedrais – Braga, Porto, Lisboa, Évora – são bons exemplos da arte românica. A Sé-Velha de Coimbra é um exemplar completo dessa arquitectura. Foi construída conforme o cânone tradicional das igrejas românicas, embora se reconheçam traços da arquitectura militar, tornando a igreja um verdadeiro castelo. Quando foi construída, ainda estava na memória a invasão dos mouros, em 1117. Nesse tempo, o sacerdote também vestia a loriga, o elmo e as grevas de soldado.

Arquitectura Sagrada

A orientação do templo e, consequentemente, dos devotos e do sacerdote, fundamenta-se na necessidade de harmonizar o acto sagrado com o ritmo e o movimento dos corpos celestes. O ser vivo, diz Claude Bernard, faz parte de um conjunto universal, e a vida animal não é senão um fragmento da vida do universo6.

A luz e o Sol têm sido considerados como símbolos privilegiados da divindade. "Deus é Luz" (1 Jo., 1, 5-7) e, como a luz física é reconhecidamente a origem do conhecimento sensível e da vida física, o Sol converteu-se no símbolo visível da Fonte de todo o conhecimento e da vida do espírito7.

Foi por isso que o tabernáculo do deserto ficou orientado no sentido este-oeste (nascente-poente). A entrada fazia-se do lado nascente; passava-se pelo altar dos holocaustos, depois pelo mar de bronze, pela bacia das abluções dos sacerdotes e só depois se estava no santuário. O lugar mais sagrado ficava sempre do lado poente do recinto do tabernáculo, como determinavam as leis religiosas costumeiras da época8.

O simbolismo do Sol nascente está fundamentado no A.T.9. Os profetas, que anunciaram a vinda de Jesus, também se lhe referiram como "o Sol da justiça ou o Sol nascente". No N.T., o Oriente toma um carácter claramente escatológico10, que seria determinante, depois, na escolha dos motivos decorativos da abóbada da ábside.

Esta mística região da Luz do Mundo, o Sol da Justiça, tinha idênico significado noutros povos. No México, onde o culto do Sol deu origem a uma religião complexa, orava-se na direcção do sol-nascente. O mesmo faziam os brâmanes. Depois de um interminável e complicado ritual, adoravam o Sol, virados para o Este. O cristianismo, durante a Idade Média até ordenou o sepultamento de modo que a cabeça ficasse do lado Oeste, para que, na "ressurreição" o corpo ficasse virado para o Sol da manhã.

A antítese destes rituais encontra-se na religião dos Thugs, os estranguladores da Índia. Adoram a deusa Kali, a divindade da morte. O seu ritual faz-se na direcção contrária, virados para Oeste11. Max Heindel dá preciosa informação sobre o ambiente espiritual desta gente12.

Depois da reforma litúrgica, o Ordinário da missa com assistência de povo foi profundamente modificado. Diante do altar maior, colocou-se outro para que o sacerdote celebrasse voltado para os fieis. A intenção foi a de "facilitar a participação piedosa e activa dos fiéis"13 e de restaurar a antiga tradição. É certo que, nas basílicas românicas como a de S. Pedro, o sacerdote se voltava para a assistência. Mas, nessas igrejas, construídas segundo o costume romano, a entrada principal fica do lado nascente, e o altar do poente; por isso, o sacerdote celebra virado para o Oriente e de frente para o povo. Nas igrejas orientadas correctamente, é que o celebrante consagra de costas para a assistência para se virar também para Oriente.

Com a revisão do ordinário da missa, inverteu-se completamente tão importante simbolismo. Ao celebrar, o sacerdote passou a ficar de costas para o lado onde se ergue a luz do mundo.

Esta modificação na orientação das igrejas tem a seguinte origem: o esquecimento ou rejeição do simbolismo escatológico que encerra a orientação tradicional, baseada no movimento do Sol durante o dia, e a ignorância do que é o "verdadeiro templo".

O templo verdadeiro é aquele que se constrói sem ruído de martelo14. É uma construção energética, ou cúpula magnética, que envolve o edifício físico. É um fenómeno oculto, produzido pela cristalização da estrutura gestual e ritual que o sacerdote adopta na celebração litúrgica. Por estar em perfeita harmonia com a estrutura e a dinâmica do universo, torna-se manifestação natural do verbo criador. Essa construção é reforçada e mantida por todos os pensamentos, sentimentos, cânticos, etc., de todos os crentes que ali se reúnem com regularidade15.

Ora, a inversão de um símbolo, sacralizado pelo rito e pela experiência espiritual, é um acto cuja gravidade não é diminuída pelo desconhecimento das suas potencialidades ocultas, já que daí resulta, simplesmente, que o novo rito sirva de veículo a influências de natureza oposta à do símbolo original!

Hoje, há um número incontável de crentes torna-se cada vez mais indiferente. Os que "ficam", muitos vão vegetando, não sabem o que são nem o que devem fazer! As vocações vão rareando num ritmo assustador. Os dados estatísticos falam por si16. Nos escombros de todos esses problemas, no resíduo de todos esses conflitos e indiferenças, no beco sem saída das dificuldades e impasses, o que aflora, e verdadeiramente está em causa, é, em parte, o desconhecimento da verdadeira razão de ser de um ritual e das forças ocultas que, por meio dele, se conjugam para criar o "homem novo".

Quem tem ouvidos, que oiça!

Ariel

Notas

1. John Michell, A Little History of Astro-Archeology, Thames and Hudson, Londres, 1989, p. 7-28.
2. Platão considerava-as a fonte do conhecimento dos princípios éticos (do bem) e ontológicos (da natureza essencial), Cf. República, Guimarães Editores, Lisboa, 1962, Livro VII, pág. 33-52.
3. Patrick Négrier, El Templo y su Simbolismo, Kompás Ediciones, S.L., Madrid, s/ d, pág. 106.
4. Livro II, cap. 57, na edição de Pitra.
5. Assim, o presbyterium passou a ser o martyrium; o trono do bispo e os bancos dos presbíteros foram ocupar os lugares do transeptum.
6. Citado por Michel Gauquelin, A Cosmopsicologia, Círculo de Leitores, Lisboa, 1977, pág. 11.
7. Max Heindel, Conceito Rosacruz do Cosmo, 3ª ed., Lisboa, 1999, pág. 143; cf. Salmo 36(35),10.
8. Max Heindel, Iniciação Antiga e Moderna, cap. I, Lisboa, 1999.
9. Gén., 2, 8, Ez. 8, 16 e 63, 2-4.
10. Mt. 2, 1-2.9; 24, 27; 8, 11; Lc. 1, 78-79; 2 Ped. 1, 19; Ap. 7, 2, etc.
11. Edward Burnett Tylor, Cultura Primitiva, Editorial Ayuso, Madrid, s/d, vol. 2, pág. 458-461.
12. Max Heindel, O Véu do Destino, Lisboa, 1996, pág. 44.
13. Sinopse dos Documentos Conciliares – Vaticano II, Braga, 1968, Constituição "Sacrosanctum Concilium" sobre a Liturgia, nºs 49 e 50.
14. Max Heindel, Maçonaria e Catolicismo, Lisboa,1997, pág, 119, Cf. 1 Rs. 6, 7.
15. Max Heindel, O Véu do Destino, Lisboa, 1998, pág. 119.
16. Carmen Ferreira, Fuga de Crentes à Fé Cristã tem Aumentado, in Jornal de Notícias, 10 de Março de 1999, pág. 13.

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